Indústrias reduzem custos e emissões de CO2 com projetos de eficiência energética

Consumo de energia reduzido com programa Aliança é equivalente ao de uma cidade de 60 mil habitantes; iniciativa também evitou a emissão de 40 mil toneladas de gás carbônico

Trocar energia produzida por gás natural pelo carvão vegetal, melhorar o isolamento de fornos, automatizar a temperatura de máquinas, construir uma usina solar. Essas são algumas das iniciativas implementadas pela indústria para promover a eficiência energética. Além de reduzir custos na produção, essas medidas contribuem para a conservação do meio ambiente pela redução das emissões de gás carbônico, o principal causador do efeito estufa.

A eficiência energética é dos esforços do processo conhecido globalmente como transição energética, que significa a passagem de uma matriz em que predomina a utilização de combustíveis fósseis, com elevada emissão de gases de efeito estufa (GEE), para uma ancorada em fontes renováveis e com baixa emissão de carbono. A promoção por parte dos países de um conjunto de inovações e transformações na forma como produzem e consomem a energia é uma das bases para a consolidação de uma economia de baixo carbono.

Este é um dos pilares da estratégia definida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e apresentada na Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia, como um dos principais ativos do País em sua agenda ambiental.

Entre os quase 200 países signatários do Acordo de Paris, o Brasil assumiu uma das metas mais ambiciosas de redução de suas emissões de GEE, entre os países em desenvolvimento. Tendo como base as emissões de 2005, o compromisso do país é de redução de 37% até 2025 e 43%, até 2030. Para o setor de energia a indústria defende a expansão do uso de fontes renováveis, o reconhecimento da importância dos biocombustíveis, o estímulo ao desenvolvimento de novas tecnologias de baixo carbono e ações de eficiência energética.

Ações como as implementadas pela indústria terão papel-chave na redução das emissões de CO2. Estimativas do Plano Decenal de Expansão de Energia 2030, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), apontam que os ganhos de eficiência elétrica permitirão reduzir cerca de 6% do consumo energético total da indústria em 2030.

Quando se fala do consumo elétrico, a expectativa é de queda de 3% no mesmo período, ou cerca de 12 TWh, equivalente ao montante consumido pelas indústrias de mineração e pelotização (transformação de minério de ferro) em 2019.

Esses números poderão ser alcançados por meio de novas unidades industriais mais modernas e eficientes energeticamente (greenfield), ações de gestão de uso de energia e renovação das instalações elétricas, tanto por meio de ações autônomas das indústrias quanto de políticas voltadas para o setor.

Energia do sol para fazer sapatos

 

Em junho de 2018, a Grendene inaugurou em Sobral (CE) uma usina de geração de energia solar com capacidade instalada de 1,137 MWh no pico. “É uma usina piloto. A gente queria descobrir o potencial de geração e todos os riscos de ampliar a operação. A gente tinha muitas informações do mercado, mas não sabia como funcionaria na prática”, conta o gerente de Desenvolvimento Sustentável da Grendene, Carlos André Carvalho.

O retorno foi positivo e a intenção é construir uma unidade na fábrica em Crato, também no Ceará. “É uma energia renovável, sem emissão de carbono, pelo pilar ambiental. E pelo pilar econômico, é um custo operacional baixo, se o projeto é bem definido. Hoje ele significa entre 2,5% a 3% do consumo de energia da unidade de Sobral, composta por oito fábricas. É o consumo equivalente ao de uma cidade de 100 mil habitantes”, explica.

Foram instalados 3.500 painéis que geram em torno de 1.800 MW por ano e representam 10% da redução de emissões de gás carbônico da empresa. Ao todo, as mudanças nas plantas evitaram a emissão de aproximadamente 1.235 toneladas de CO2 por ano.

Além da usina, as ações de eficiência energética foram centradas no uso dos recursos térmicos. As concepções técnicas vão desde a parte de isolamento do forno e também o conjunto eletrônico de temperatura. “Esse mecanismo ajusta a temperatura que precisa para o produto que está sendo produzido. É um conjunto eletrônico de termostato, que antes era praticamente manual”, afirma Carvalho.

No caso dos fornos de plastisol (mistura do polímero conhecido como PVC com plastificantes e outros materiais para fabricação do calçado), foram instaladas paredes com espessura maior, para melhorar o isolamento térmico, além de adotadas mudanças nos sistemas de fechamento e abertura de porta e nos sensores de leitura para não queimar peças sensíveis.

Entre 2019 e 2020, foram trocadas 1.166 estufas, o que levou a uma redução de 43% no consumo de energia. Já as alterações nos fornos levaram a uma economia de 75% de energia.

Hoje, a demanda instantânea de cada fábrica é em torno de 10 MW médio. As mudanças reduziram esse volume em ao menos 1,6 MW médio, o que representa um funcionamento 16% mais eficiente. Em números absolutos, são 15.123,78 MWh consumidos por hora a cada ano, o equivalente ao consumo de 8 mil residências.

Com essas e outras mudanças implementadas nos últimos 5 anos, a Grendene economizou 13% da energia consumida para fazer cada par de sapatos. A companhia conta com 11 fábricas e tem capacidade instalada para produzir 250 milhões de pares por ano. Para o gerente de Desenvolvimento Sustentável, a mudança é percebida no mercado. “A gente nota que o consumidor é outro. Ele olha pelo propósito da marca. A gente tem nossos valores e ele enxerga o propósito da companhia de menor impacto ao meio ambiente e melhor impacto para as pessoas”, afirma.

Uma economia de R$ 50 milhões por ano

 

Localizada na região da Grande Vitória, no Espírito Santo, a ArcelorMittal Tubarão possui uma área total de 13,5 milhões de m2, sendo que a usina ocupa 7 milhões de m2. Terceira maior produtora brasileira de aços planos laminados, sua produção tem como destinos produtos como rodas de veículos, tubos para óleo e gás e peças para construção civil e naval.

Em maio de 2018, foi iniciado o planejamento do programa Aliança na empresa. Criado em 2015, a iniciativa é resultado da união da CNI, com a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) e o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), do governo federal, junto com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

O objetivo é reduzir o consumo de energia e de água em grandes indústrias por meio de ajustes nos processos de produção, identificar oportunidades de tratamento e reaproveitamento de efluentes e resíduos e de redução das emissões de gases do efeito estufa.

No caso da ArcelorMittal, uma equipe técnica do programa e da unidade da siderúrgica em Tubarão definiram, conjuntamente, seis processos produtivos da cadeia do aço, além dos sistemas de tratamento de águas e efluentes e sistemas de produção e fornecimento de utilidades para usina que poderiam ser aprimorados do ponto de vista de uso de energia.

Nos trabalhos de campo, a equipe chegou a 32 oportunidades e 21 delas já foram finalizadas. Foram 88.300 MWh/ano economizados, além de evitar a emissão de aproximadamente 5,78 mil toneladas de CO2 na cadeia produtiva por ano.

Quanto à economia, as expectativas eram de reduzir os custos em ao menos R$ 35 milhões e, na prática, chegou a R$ 50 milhões em 2020. Isso porque um projeto relacionado à melhoria do sistema de limpeza de gás na coqueria (onde o carvão é transformado em coque para produção do aço) possibilitou o aumento da participação de carvão alto enxofre na mistura.

O programa Aliança forneceu mão de obra especializada com experiência para análise de eficiência de processos. A equipe realizou a modelagem e simulação completa dos processos estudados com ajuda de softwares, possibilitando mudanças teóricas nos processos antes de implementações na prática.

Energia limpa na produção de aço

Focada na produção de tubos de aço sem costura para o setor de petróleo e gás, a usina de Jeceaba, no interior de Minas Gerais, foi o cenário para a implementação do Programa Aliança dentro da Vallourec, empresa do setor siderúrgico. Foi ampliada a substituição do gás natural pelo carvão vegetal, alternativa renovável e cuja emissão de CO2 é nula. As mudanças também reduziram custos em mais de R$ 4 milhões por ano.

Foram feitas melhorias em diversas áreas, desde o beneficiamento do minério de ferro, etapa em que o material é separado após a extração, até a aciaria, fase em que o ferro é transformado em tipos de aço, além de outros processos, como laminação e tratamento térmico.

Um grande exemplo das vantagens dos novos processos foi observado na pelotização, um dos principais processos de beneficiamento de minério de ferro. A redução de gás natural e sua substituição pelo carvão vegetal foi possível por meio do uso de modelos e simulações computacionais, que permitiu validar e priorizar cenários que levaram a testes industriais bem-sucedidos.

Também foi diminuído o uso de produtos químicos para o tratamento de água e foram revisados os parâmetros operacionais de motores e avaliadas temperaturas nos fornos de laminação e têmpera dos tubos, para checar a efetividade das práticas adotadas pela empresa. Além da assessoria da CNI, o programa possibilitou uma parceria técnica entre a Vallourec e a Universidade Federal de Campina Grande.

Programa Aliança

No âmbito do Programa Aliança, a CNI oferece metodologia de trabalho, equipe de consultores especializados, softwares e laboratórios, treinamento e acompanhamento da equipe da indústria. Em contrapartida, a empresa se compromete a implementar as ações aprovadas e manter o programa por 24 meses.

A primeira etapa do Aliança foi implementada entre 2017 e 2020 em 12 plantas industriais de setores como siderúrgico, metalurgia e mineração, cimento, papel e celulose e químico. As mudanças levaram a uma economia de energia superior a 175 GWh por ano, o suficiente para abastecer uma cidade de 60 mil habitantes por um ano. As empresas também aprovaram a implementação de mais ações, que poderão reduzir o consumo das plantas em 611 GWh/ano. Já a redução de emissões de GEE foi de 40.075,03 toneladas de CO2.

Além dos benefícios para o meio ambiente, as iniciativas resultaram em uma redução de R$ 122 milhões ao ano nos custos operacionais das empresas, com payback médio de menos de um mês. Os investimentos de R$ 5,75 milhões foram feitos pelas indústrias participantes e 45% do orçamento necessário dos serviços de consultoria para a identificação e implementação das ações foi financiado por meio de um convênio celebrado entre a CNI e a Eletrobras, através do Plano de Aplicação de Recursos (PAR Procel – 2017).

No caso da metalurgia, siderurgia e mineração, as ações incluíram aumento da geração de vapor nas caldeiras e otimização de alto-forno. Já nos setores químico, petroquímico, automotivo e de papel e celulose, algumas medidas foram redução do consumo de amônia e uso de modelagem fluidodinâmica das caldeiras de recuperação.

Dentro do desenvolvimento dessas soluções, a rede dos Institutos SENAI de Inovação é uma aliada na busca da eficiência energética. No Instituto SENAI de Inovação em Metalmecânica, localizado em São Leopoldo (RS), por exemplo, pesquisadores desenvolveram um sistema de sensores de rastreamento de falhas em processos de produção.

As novas tecnologias e a digitalização dos processos facilitam o uso racional da energia na indústria. É o caso, por exemplo, de máquinas que controlam seus sistemas eletrônicos a partir de informações que recebem. Com a ajuda de dados, equipamentos ou ferramentas elas podem aprender – no que ficou conhecido como machine learning – a desligar subsistemas e partes que não estão sendo utilizadas.

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